Após uma pausa de duas semanas por conta dos incêndios em Los Angeles, as campanhas dos filmes para o Oscar começam timidamente a voltar aos trilhos.
As sessões de cinema organizadas para eleitores de prêmios diversos, todas canceladas devido ao caos na cidade, retornaram com força um dia depois do anúncio dos indicados ao Oscar, na última quinta-feira (23).
Mais de 40 sessões estavam agendadas para 11 filmes que disputam estatuetas, embora nenhuma para o filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. A produção brasileira, que fez história ao ser nomeada em três categorias, incluindo melhor atriz para Fernanda Torres, afirma que está acertando sua estratégia, de olho na movimentação da indústria e principalmente da cidade nas próximas semanas.
Desde o começo, o longa nacional tem feito uma campanha modesta, focada nos debates com Torres e Salles ao final das sessões, entrevistas para a mídia local e participações em programas de TV, sem festas e jantares como costumam fazer grandes produções americanas.
Mas o clima de fim de mundo com os incêndios, que destruíram dois subúrbios e mais de 11 mil residências, deixa a dúvida de como os artistas devem prosseguir para se promover e tentar cativar os jurados num ambiente tão delicado.
Para o executivo de relações públicas Tony Angellotti, que trabalha há 25 anos nas campanhas da Universal Pictures e Disney Pixar, ninguém sabe ao certo a resposta. No entanto, acredita que é importante deixar claro que “estamos todos devastados e unidos”.
“Os encontros são importantes, muitos acreditam que nos ajudam a consolar e curar”, disse Angellotti à Folha sobre os eventos de promoção dos filmes. “Vamos repensar o jeito, o clima, como apresentar, mas seguiremos em frente e em uníssono.”
Para Debra Birnbaum, editora-chefe do Gold Derby, site de previsões e análises de premiações, as estratégias de campanha vão continuar mudando nos próximos dias e semanas. No momento, todos aguardam como será o Grammy Awards, no domingo, que acontece em 2 de fevereiro, primeira grande premiação com tapete vermelho após a tragédia.
“É uma situação muito fluida. Todo mundo está procedendo com cautela, cuidado e respeito máximo pela perda generalizada”, disse Birnbaum. “Os incêndios devastaram a cidade física e emocionalmente, e nós apenas começamos o caminho para a recuperação.”
Angellotti trabalhou na campanha de “Oppenheimer” no ano passado, grande vencedor do Oscar com sete estatuetas. Agora, faz a animação “Divertida Mente 2” e o longa “Wicked”, cuja atriz Cynthia Erivo disputa na mesma categoria que Torres. Ele acha que a batalha será difícil para ambas.
“Parece que os eleitores estão a fim de ouvir uma famosa estrela de cinema reclamar que nunca ganhou um prêmio”, disse Angellotti, se referindo a Demi Moore, que fez um discurso impactante ao ganhar o Globo de Ouro de atriz em comédia ou musical.
O veterano de Hollywood também ajudou “Shakespeare Apaixonado” (1998), cuja atriz Gwyneth Paltrow derrotou Fernanda Montenegro, mãe de Torres indicada por “Central do Brasil” (1998), a primeira brasileira a concorrer ao Oscar da categoria.
Hollywood era muito diferente naquela época, com menos da metade de premiações importantes, eventos e publicações. Também não havia plataformas online de cinema, nem redes sociais ou entrevistas por Zoom.
“Pelos padrões de hoje, Paltrow não fez muita coisa”, disse Angellotti. “Ela morava aqui, era filha de gente conhecida na indústria, já tinha feito alguns filmes e estava destinada ao estrelato. E o filme fez o trabalho pesado, fazia os votantes rir e chorar.”
A campanha de Montenegro foi parecida com a da filha, embora em menor escala e mais analógica. Ela ficou bem menos tempo em Los Angeles, mas foi ao programa de entrevistas “Late Show with David Letterman”, assim como Torres foi ao do Jimmy Kimmel.
E como manda o figurino, ambas investiram em looks elegantes e sérios para surpreender nas sessões de cinema e eventos. Montenegro vestiu Valentino no Oscar, enquanto Torres tem desfilado Chanel, Dior e Bottega Veneta.
A própria Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar, também mudou muito desde 1999. Tinha metade do corpo de jurados (5 mil contra quase 10 mil eleitores de hoje) e era menos diversificada e mais concentrada em Los Angeles. Em 2016, a Academia anunciou iniciativas para dobrar o número de mulheres e grupos raciais.
Para Angellotti, a chave do sucesso de uma campanha depende inteiramente da personalidade do indivíduo e do seu apetite para dar entrevistas e aparecer em festas e programas, além da capacidade de transmitir sua narrativa.
“Alguns atores simplesmente não são bons nesse jogo”, disse Angellotti. “Enquanto outros são naturalmente talentosos ou estudaram a arte de fazer entrevistas. Honestamente é exaustivo. Eu já cansei muitos indivíduos com campanhas longuíssimas”, continuou, citando “Erin Brockovich” (2000), Oscar de melhor atriz para Julia Roberts após um ano promovendo o filme.
Outro ponto importante é mostrar que você quer, sim, o Oscar e por que é importante para você.
“Caso contrário é como alguém que anuncia que é seu aniversário e que não quer presentes, mas depois fica chocado que não ganhou nada”, disse Angelotti, que é também votante do Oscar. “Se alguém não está interessado em receber meu voto, por que devo me incomodar?”
Há exceções, como em “Oppenheimer”. O ator Cillian Murphy era bastante relutante em se promover por ser muito introvertido. Ainda assim, contou com ajuda do elenco para divulgar o filme e acabou com a estatueta. “Ele não estava se divertindo nada”, disse.
A Academia cancelou um almoço tradicional com celebridades e adiou duas vezes o anúncio dos indicados, mas manteve a data da cerimônia inalterada, 2 de março, no Dolby Theater.
O presidente-executivo da Academia, Bill Kramer, disse que a premiação terá momentos para reconhecer bombeiros e socorristas que ajudaram nos incêndios. “Sentimos que devemos seguir em frente para apoiar nossa comunidade cinematográfica e usar nossa plataforma global para chamar a atenção para esses momentos críticos em nossa história”, disse.
Há quem discorde. O escritor Stephen King falou que não mandaria seus votos do Oscar neste ano como forma de pressionar o cancelamento do evento. “Nada de brilho com Los Angeles em chamas”, escreveu. “Parece Nero tocando violino enquanto Roma queima. Ou, neste caso, usando roupas elegantes enquanto Los Angeles queima.”
A atriz Jean Smart, da série “Hacks”, pediu para que as emissoras considerassem não transmitir a cerimônia e doar o dinheiro para vítimas e bombeiros. A própria série “Hacks” teve que interromper as gravações de sua quarta temporada após uma de suas locações, uma casa histórica em Altadena, ser destruída pelos incêndios.
A pausa na indústria do cinema vem num momento delicado, na esteira de uma queda drástica nos números de produções rodadas em Los Angeles. Além disso, a mão de obra ainda tenta se recuperar dos meses de greve em 2023, depois da pandemia em 2020 e 2021.
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