Brasil tem o que o mundo quer — mas é a China quem leva

Enquanto os Estados Unidos intensificavam, em outubro de 2024, os aportes financeiros em projetos no Brasil voltados à extração de minerais críticos, a disputa global por terras raras ganhava novos contornos. Naquele momento, Donald Trump ainda disputava a presidência, e as relações comerciais entre Washington e Pequim seguiam um ritmo previsível. Meses depois, porém, a realidade se transformaria — e ao chegar ao Brasil para fortalecer seu suprimento estratégico, os EUA descobriram que a China já havia marcado território.

A importância estratégica da mina Serra Verde

Situada no estado de Goiás, a mina Serra Verde se destaca como a única operação ativa fora da China dedicada à extração de terras raras pesadas a partir de depósitos de argila iônica. Esse tipo de solo facilita o processamento, dispensando a etapa de britagem exigida pelas rochas duras. Os elementos ali extraídos são indispensáveis para a fabricação de ímãs permanentes, componentes essenciais em turbinas eólicas e veículos elétricos. Isso fez do projeto uma peça central da estratégia MSP (Minerals Security Partnership), liderada por Washington para reduzir a dependência ocidental da cadeia de suprimentos chinesa.

O início da produção comercial veio acompanhado de um investimento de US$ 150 milhões, anunciado em outubro, com capital proveniente de grupos como Denham Capital, Energy and Minerals Group e Vision Blue. À época, o CEO Thras Moraitis declarou ao Financial Times que esses recursos permitiriam à Serra Verde escalar suas operações e concorrer economicamente num mercado profundamente influenciado pelos baixos custos da indústria chinesa. Mas havia um revés crucial.

Um dilema geopolítico

Instalada no município de Minaçu, em uma antiga zona de exploração de amianto no Centro-Oeste brasileiro, a mina prometia responder a uma das mais urgentes necessidades ocidentais: o acesso às terras raras pesadas. A operação, apesar de financiada majoritariamente por capitais dos EUA e, em menor medida, do Reino Unido, enfrentava um paradoxo: toda sua produção já estava comprometida com empresas chinesas.

Isso ocorre porque apenas a China possui atualmente a infraestrutura tecnológica e industrial necessária para separar e refinar os elementos pesados presentes nesse tipo de argila. O destino da produção brasileira, portanto, já está traçado — e aponta para o Leste.

O domínio chinês sobre as terras raras

O que acontece em Serra Verde não é uma exceção, mas uma manifestação clara de uma hegemonia construída com estratégia. A China domina não apenas a mineração, mas sobretudo o processamento dos 17 elementos conhecidos como terras raras, usados em setores como defesa, aeroespacial, eletrônica e automobilístico. Ainda que esses minerais estejam amplamente distribuídos pelo planeta, o processo de separação é altamente complexo — e, por décadas, o Ocidente delegou essa função à indústria chinesa.

No caso das terras raras pesadas, como disprósio e térbio, o monopólio chinês é quase absoluto. Mesmo quando minas promissoras surgem, como é o caso da Serra Verde, a ausência de capacidade local de refino as obriga a recorrer a Pequim. A China, que há muito adotou uma visão de longo prazo para esses insumos estratégicos, garantiu não só o domínio técnico, como também cadeias logísticas e contratos que sustentam sua liderança global.

O alerta de 2010 e a corrida contra o tempo

O interesse dos EUA e de seus aliados por fontes alternativas, como o Brasil, remonta a 2010, quando a China interrompeu o fornecimento de terras raras ao Japão durante uma crise diplomática. O episódio deixou evidente a vulnerabilidade ocidental diante da dependência chinesa. A Denham Capital foi uma das primeiras a investir na Serra Verde naquele mesmo ano. Contudo, o projeto enfrentou sérios obstáculos: fora da China, não havia como refinar os elementos extraídos.

Somente após mais de uma década — e novo investimento de US$ 150 milhões — a mina entrou em operação. Entretanto, os contratos de venda com clientes chineses já estavam firmados até pelo menos 2027. Ao New York Times, Moraitis reconheceu que, embora a demanda ocidental tenha crescido, a empresa nada pode fazer: os compromissos comerciais estão em vigor, e os minerais têm destino certo.

O reflexo em outros projetos estratégicos

A situação da Serra Verde não é isolada. A MP Materials, nos EUA, também enfrenta dificuldades semelhantes. Apesar de extrair e separar terras raras leves na Califórnia, a empresa destinava até recentemente 80% de sua produção à China, por não possuir meios de processar os elementos pesados.

O governo norte-americano investe atualmente na construção de uma planta financiada pelo Pentágono no mesmo estado, com o objetivo de superar essa limitação. Outros empreendimentos, como na França e na Estônia, também estão em desenvolvimento, mas os resultados só devem aparecer dentro de alguns anos.

Mesmo que esses projetos avancem como planejado, a oferta global de terras raras pesadas seguirá restrita. A própria Serra Verde estima produzir apenas algumas centenas de toneladas até 2027. Caso esse número se concretize, dobrará a disponibilidade fora da Ásia — ainda assim, insuficiente frente à demanda crescente. Hoje, o restante do suprimento internacional depende de fontes alternativas, como resíduos de carvão ou derivados da mineração de urânio.

A vitória do planejamento chinês

O domínio chinês nesse mercado estratégico não é acidental. Trata-se de um projeto nacional de longo prazo, que articulou ciência, indústria, logística e diplomacia comercial. Enquanto países como os EUA ainda esboçam respostas, a China já consolidou sua vantagem em todas as etapas da cadeia produtiva.

Thras Moraitis resumiu bem a situação: é preciso admitir o óbvio — a estratégia chinesa foi extremamente bem executada, e reverter esse quadro será uma tarefa árdua. Enquanto isso, as terras raras que poderiam assegurar a autonomia tecnológica do Ocidente seguem sendo extraídas do solo brasileiro rumo à China, aprofundando uma dependência que só cresce a cada carga enviada.

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