O último presidente da ditadura militar brasileira, o General João Batista de Oliveira Figueiredo, certa vez afirmou que “um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar”. É claro que tal ideia servia aos interesses dos inimigos da liberdade e, ao mesmo tempo, servia ao interesses da preconceituosa elite brasileira apoiadora do regime. Essa ideiafrase soava como um último aviso à liberdade política que se avizinhava: “o povo não está preparado para governar”. E eles estavam certos: o povo não estava preparado para governar, por falta de experiência e vocação histórica.
A “redemocratização” brasileira, cuja culminância foi a promulgação da Constituição de 1988 (Constituição Cidadã), embora tenhao universalizado o voto, não significou a entrega das rédeas da nação à maioria. Isso porque a mesma elite, que outrora apoiara a ditadura, manteve o controle sobre o processo eleitoral através da corrupção e da alienação das massas. E esta, composta por um oceano de cidadãos deseducados, cooperou com sua cumplicidade negligente. Essa mesma massa, muitas vezes considerada vitima do vampirismo das elites, é, na verdade, o berçário de novos algozes. É a escola dos oprimidos que querem se tornar opressores.
Platão teria sido o primeiro a conceber a ideia de que o principal objetivo do Estado é promover o bem comum. Mas será esse o objetivo individual daqueles que formam a comunidade? E quem decide o que é o bem comum? Numa sociedade de classes, podemos sim concordar com a ideia de que os interesses das elites são contrários aos do povão, mas apenas os imediatos, já que na profundidade da questão, quer o povo se tornar elite.
A nação brasileira, não conhece a conquista. A história da nossa cidadania é uma sucessão de concessões. Tudo nos é “dado” de acordo com os arranjos institucionais do momento, nos viciando em um estado político paternalista, numa situação de carência e dependência. Antes de se tornar detentor de direitos, precisa o indivíduo se tornar um ser digno de fazer parte da comunidade. Isso pode ser ensinado? Sim, pode. Assim como se ensina que a política só serve pra enriquecer, assim como se ensina que o trabalho digno é coisa de otário;, assim como se ensina que os grandes heróis dessa nossa fajuta democracia, são aqueles que abusam da liberdade para defender sua independência pessoal. Que venha então Rousseau, com a sua concepção moderna de Estado constituído através do contrato social. Pois onde anda esse acordo tácito? Anda arquivado nas universidades, presentes numa ou outra aula e olhe lá. O “acordo” só pode ler “lido” pelos alfabetizados em cidadania, condição distante da massa, que ignora que o sofrimento social é coletivo e segue embotada na busca pelas soluções paliativas e imediatas. Para se pensar a democracia hoje em dia, deve-se levar em conta o divórcio da sua concepção filosófica e as aspirações da massa. Deve-se reconhecer o “Não” emitido por aqueles que seriam os maiores interessados na sua implantação. Deve-se entender que não se pode distribuir liberdade entre aqueles que permanecem inertes pela ignorância. Só se combate a ignorância com o conhecimento, seja ele formal, informal, ético ou moral. Eis o maior desafio de quem hoje pensa a democracia: traduzi-la e transformá-la no antídoto para as mazelas sociais sem que nesse processo os doentes a pervertam e se transformem em efeitos colaterais letais para o nosso já adoecido organismo social.
Rogério Carvalho
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