–Patrícia Estaky–
Quem nunca ouviu por aí que brasileiro não sabe falar português? É uma falácia repetida a cada dia por falantes nativos desse idioma. No entanto, a língua se propõe à comunicação e, como tal, serve à troca de informações entre os seus usuários nas mais diversas situações comunicativas do cotidiano. Dessa forma, dizer que um brasileiro fala incorretamente a língua que aprendeu na infância é o mesmo que afirmar que ele não consegue interagir com o outro ou que não se faz entender. E sabemos que isso não é verdade: seja a criança, pedindo para brincar com o coleguinha da rua, ou o idoso, com seus inúmeros “causos”, a mensagem costuma chegar perfeitamente.
Infelizmente, o que muitos desconhecem é o fenômeno que atinge toda língua viva e que serve ao povo essencialmente, a variação linguística. Esta é a responsável pelos muitos usos da língua. Ninguém vai à praia de terno e gravata ou a uma reunião de trabalho de traje de banho, por exemplo. Da mesma forma que a nossa roupa varia conforme o contexto em que nos encontramos, nossa linguagem também precisa se adaptar a isso. Assim, a variação ocorre de acordo com o nível de formalidade, a classe social e o grau de escolaridade, a região do país ou ainda a faixa etária do indivíduo. Chico Bento, de Maurício de Souza, já foi, portanto, um autêntico representante do regionalismo do interior do Brasil, o tal sotaque caipira, mas hoje isso não é exclusivo das áreas rurais.
Por conta disso, dizer que um falante usa sua língua de forma errada é, na verdade, uma incoerência, visto que ele é capaz do exercício da comunicação ainda que em outra variante, diferente da norma culta – abstrata e quase inatingível “na superfície estrelada de letras”, conforme define o poeta Drummond. Isso ocorre porque a gramática normativa, que prescreve o certo e o errado, não espelha as regras que são usadas por aqui. Essa norma chamada padrão é aprendida na escola, e, como o ensino de qualidade é escasso em quase todo o país, o que era para unir todos os falantes serve como mais um meio de exclusão através do preconceito linguístico. Muitas vezes, este é tímido e convertido em risinhos “pseudo-ingênuos”, mas, seja como for, retrai aquele que usa a língua em seu princípio fundamental e tolhe sua expressão do pensamento, mesmo que primária.
Bechara, importante gramático brasileiro, é quem está certo, portanto, quando diz que é preciso ser poliglota na própria língua. Ou seja, em vez de nos preocuparmos somente com aprender outros idiomas, é importante respeitar o nosso e conhecê-lo em suas mais diversas formas para não reproduzirmos mentiras e afastarmos ainda mais o povo daquilo que, de fato, lhe pertence.
*Patrícia Estaky
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