Uma pesquisa inédita mostra que metade dos filhos de pais situados entre os 20% mais pobres do Brasil permanece nesse mesmo grupo de renda quando adultos, enquanto metade dos filhos dos 20% mais ricos se mantém no topo.
O estudo também revelou que quando melhoram de vida, apenas 2,5% dos filhos dos pais mais pobres do país conseguem atingir o topo da estrutura social e de renda em uma única geração. O indicador é bem menor do que em países desenvolvidos, onde Ser mulher, preto ou pardo também diminui as chances de ascensão, assim como viver nas regiões Norte e Nordeste, segundo os resultados encontrados pelos pesquisadores.
“Uma parte do Brasil sustenta o discurso de que se você se esforçar na vida, você se dá bem. O estudo coloca uma interrogação nisso”, diz o economista Breno Sampaio, um dos autores. “Somos uma sociedade bastante desigual em termos de oportunidade. O esforço não significa sucesso.”
A pesquisa foi desenvolvida por Diogo Britto, Alexandre Fonseca, Paolo Pinotti, Breno Sampaio e Lucas Warwar por meio do Gappe (Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Econômicas) da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), em parceria com a unidade de análise econômica do crime da Universidade de Bocconi, na Itália.
Entre as condições que diminuem as chances de ascensão, estão ser mulher, ser preto ou pardo, assim como viver nas regiões Norte e Nordeste
Já os filhos de pais que estão entre os 20% mais ricos têm 48,5% de chance de permanecer no topo e só 4% de cair para a base da pirâmide. Ser branco amplia a probabilidade de manter a riqueza para 54,1%, enquanto ser preto ou pardo aumenta a chance de migrar para a pobreza para 5,7%.
Os achados indicam que o patamar de renda dos filhos guarda uma relação de dependência elevada com o nível de renda dos pais. Em uma sociedade menos desigual e com mais mobilidade, essa conexão seria menor, enquanto o esforço, o mérito e a qualificação do indivíduo teriam mais peso na equação.
“Existe uma loteria no nascimento. As crianças que tiveram a sorte de nascer em famílias com pais mais ricos estão, em média, se dando muito melhor do que aquelas que nasceram com pais mais pobres. Isso é um mau sinal para se pensar em meritocracia”, diz o pesquisador Diogo Britto.
Os resultados também permitem fazer uma comparação internacional. Enquanto no Brasil a chance de subir da base para o topo é de 2,5%, esse percentual é bem maior nos Estados Unidos (7,5%), na Itália (11,2%) e na Suécia (15,7%).
“O espaço para a meritocracia no Brasil é substancialmente menor do que na Europa ou nos Estados Unidos. Tem vários outros fatores que levam a criança a ter sucesso no futuro”, afirma o pesquisador Alexandre Fonseca. Ainda não há comparação com outros emergentes, porque o estudo brasileiro é o primeiro do tipo para um país em desenvolvimento.
Os pesquisadores também medem a mobilidade absoluta, que analisa pais em uma mesma posição de renda e busca identificar até que ponto podem chegar seus filhos na distribuição. Esse recorte é útil para comparar pessoas de diferentes raças, gênero ou regiões.
Na escada de 100 degraus de renda, se os pais estão na posição 25, os filhos homens podem chegar ao nível 46, enquanto as mulheres alcançam o patamar 29. A diferença de gênero é maior quanto menor for a renda dos pais. Considerando o mesmo ponto de partida, crianças brancas podem atingir o degrau 41, enquanto as pretas ou pardas, o 32.
Há outras consequências. Filhas mulheres de famílias pobres têm até 13% de chance de ter uma gravidez na adolescência, mas só 7,2% de probabilidade de terminar a faculdade.
Ocupações que garantem uma renda mais elevada, como médica ou advogada, são realidade para só 0,02% das meninas vindas de lares vulneráveis.
A evolução nas diferentes regiões também é diversa. No Sul, Sudeste e Centro-Oeste, os filhos costumam subir degraus em relação aos pais, enquanto no Nordeste e no Norte pode ocorrer piora da posição na distribuição de renda.
O detalhamento dos dados permitiu aos pesquisadores identificar essa escala em níveis geográficos bastante específicos, como municípios ou até distritos dentro das cidades, o que pode auxiliar na elaboração de políticas focalizadas.
Eles também puderam medir o efeito da migração, quando uma família muda de cidade ou até mesmo de região quando os filhos ainda são pequenos. “Crianças que se mudam para lugares melhores realmente se dão bem, e nosso resultado funciona dos dois lados.
Quando, por algum motivo, as crianças se mudam de um lugar melhor para um lugar pior, elas também têm um desempenho pior”, explica o pesquisador Lucas Warwar.
O estudo ainda não é suficiente para estabelecer, com rigor metodológico, as causas da baixa mobilidade social no Brasil, mas os resultados iniciais fornecem algumas pistas.
O papel da educação, segundo os pesquisadores, parece ser central na determinação da renda futura das crianças, e a qualidade do ensino tende a explicar as diferenças regionais. Um dos indícios é a constatação de que quanto mais novos são os filhos no momento da migração, maior é o impacto da mudança sobre sua renda futura.
Os pesquisadores acreditam que isso tem relação com a qualidade da educação básica em cada local. Considerando um casal com filhos de 11 e 17 anos, por exemplo, o mais novo vai frequentar a escola na nova cidade, enquanto o mais velho já terá provavelmente concluído o ensino médio.
A leitura do resultado pode ser feita de duas maneiras: migrações podem ajudar a transformar a renda das crianças, e as regiões mais carentes deveriam receber mais atenção nos investimentos em educação.
Outros dados sobre desigualdade no Brasil já sugeriam uma sociedade com baixa mobilidade social, mas os autores do estudo acreditam que quantificar as diferenças pode ajudar a traçar um diagnóstico mais preciso dos problemas e definir políticas para enfrentá-los.
“Se a pessoa nasce na favela e sabe que vai ser pobre ou miserável a vida toda, ela pode escolher outros caminhos. As pessoas podem ir para a criminalidade. Tem pessoas com alto potencial que estão sendo desperdiçadas”, afirma Fonseca.
(Adaptado da Folhapress)
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