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Jair Bolsonaro teve alguns anos difíceis: derrotas eleitorais, processos criminais, festas do pijama questionáveis na embaixada. Então, quando ele finalmente recebeu uma boa notícia na semana passada – um convite para a posse do presidente eleito Donald J. Trump – isso o animou.
“Estou me sentindo uma criança novamente com o convite de Trump. Estou entusiasmado. Não tomo mais nem Viagra”, disse o ex-presidente brasileiro em entrevista na terça-feira, empregando seu humor de segundo ano, sua marca registrada. “O gesto de Trump é motivo de orgulho, certo? Quem é Trump? O cara mais importante do mundo.”
Mas a realidade tem um jeito de estragar os planos.
O Supremo Tribunal do Brasil confiscou o passaporte de Bolsonaro como parte de uma investigação sobre se ele tentou dar um golpe depois de perder a reeleição em 2022. Para comparecer à posse de segunda-feira, Bolsonaro teve que solicitar permissão de um juiz do Supremo Tribunal que também é seu inimigo político.
Na quinta-feira, esse juiz rejeitou seu pedido. Bolsonaro assistirá de casa.
Essa provável divisão da tela – Trump retornando ao cargo mais poderoso do mundo, enquanto Bolsonaro fica em casa por ordem judicial – irá resumir os caminhos fortemente divergentes dos dois doppelgängers políticos desde que foram destituídos do cargo e depois alegaram fraude.
Em 2025, Trump irá para a Casa Branca – e Bolsonaro poderá ir para a prisão.
Três investigações criminais distintas estão se aproximando de Bolsonaro, e há expectativas generalizadas no Brasil – inclusive do próprio Bolsonaro – de que ele poderá em breve estar no centro de um dos julgamentos de maior repercussão na história do Brasil.
“Estou sendo vigiado o tempo todo”, disse Bolsonaro, 69 anos, na animada entrevista de 90 minutos, na qual expôs queixas, repetiu teorias da conspiração e confessou sua ansiedade em relação ao futuro. “Acho que o sistema não me quer preso; quer que eu seja eliminado.”
Mas os acontecimentos nos Estados Unidos deram uma nova esperança a Bolsonaro. Trump, Elon Musk e Mark Zuckerberg estão liderando um esforço global pela liberdade de expressão, disse ele, e espera que isso possa de alguma forma transformar o cenário político no Brasil. “As redes sociais decidem as eleições”, disse ele.
Durante anos, Bolsonaro acusou um juiz do Supremo Tribunal brasileiro, Alexandre de Moraes, de censurar vozes conservadoras e de persegui-lo politicamente. O ministro Moraes tornou-se de fato um dos policiais mais agressivos da internet em uma democracia, ordenando que as redes sociais bloqueiem pelo menos 340 contas no Brasil desde 2020, e muitas vezes mantendo seus motivos sob sigilo.
Isso levou a um conflito com Musk no ano passado, resultando na proibição do juiz da rede social de Musk, X, no Brasil. Musk acabou recuando. Mas a disputa chamou a atenção global para as queixas de Bolsonaro sobre o Supremo Tribunal Federal do Brasil.
Por isso, Bolsonaro disse que ficou encantado na semana passada quando Zuckerberg disse que sua empresa “trabalharia com o presidente Trump para reagir contra” governos estrangeiros que desejam “censurar mais”. Um dos seus principais exemplos foram os “tribunais secretos” na América Latina “que podem ordenar às empresas que desmontem coisas silenciosamente”.
As autoridades brasileiras interpretaram isso como um tiro certeiro. No dia seguinte, o ministro Moraes alertou que as redes sociais só poderiam funcionar no Brasil se seguissem a lei brasileira, “independentemente da bravata dos grandes executivos da tecnologia”.
Bolsonaro tinha uma visão diferente. “Estou gostando de Zuckerberg”, disse ele. “Bem-vindo ao mundo das pessoas boas, da liberdade.”
Como exatamente Trump e os executivos de tecnologia afetarão seus muitos desafios jurídicos e políticos? O senhor Bolsonaro foi vago. “Não vou tentar dar nenhuma dica a Trump, nunca”, disse ele. “Mas espero que a política dele realmente se espalhe para o Brasil.”
Elizabeth Bagley, a embaixadora cessante dos EUA no Brasil, disse que o desejo de Bolsonaro de que os Estados Unidos pudessem vir em seu socorro é rebuscado. O governo dos EUA não interfere no processo judicial de outro país, disse ela.
Bolsonaro tem problemas maiores do que a censura. No ano passado, a Polícia Federal do Brasil o acusou formalmente de crimes em três casos distintos.
Em um deles, a polícia disse que Bolsonaro recebeu dinheiro da venda de joias que recebeu como presentes do Estado, incluindo um relógio Rolex de diamantes dos sauditas que seu assessor mais tarde vendeu em um shopping da Pensilvânia. Bolsonaro atribuiu a situação a regras pouco claras sobre quem possuía tais presentes.
Num segundo, a polícia disse que ele participou de uma conspiração para falsificar seus registros de vacinação contra a Covid-19 para poder viajar para os Estados Unidos. Bolsonaro disse que não recebeu a vacina, mas negou saber dos esforços para falsificar seus registros.
E na acusação mais grave, a polícia disse que Bolsonaro “planejou, agiu e teve controle direto e efetivo sobre” uma conspiração para realizar um golpe.
A Polícia Federal divulgou recentemente dois relatórios, totalizando 1.105 páginas, que detalhavam suas acusações, incluindo a de que ele editou pessoalmente um decreto de estado de emergência nacional destinado a impedir a posse do vencedor das eleições, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro abandonou o plano depois de apresentar três líderes militares brasileiros e dois se recusarem a participar, disse a polícia.
Na entrevista, Bolsonaro negou veementemente qualquer plano golpista – afinal, ele entregou o poder, disse ele – mas admitiu ter discutido o decreto. “Não vou negar isso a você”, disse ele. “Mas na segunda conversa foi desistido.”
Ele disse que considerou estado de emergência porque acreditava que a eleição havia sido roubada, mas o ministro Moraes bloqueou o pedido de seu partido para anular os resultados. Então sua equipe percebeu que o Congresso também teria de aprovar a medida. “Esqueça”, disse ele. “Perdemos.”
No entanto, a polícia disse que havia um plano muito mais sombrio no centro da conspiração: assassinar o Sr. Lula, o seu companheiro de chapa e o juiz Moraes. A polícia prendeu cinco homens acusados de planejar os assassinatos, quatro deles pertencentes a uma unidade militar de elite brasileira.
Os homens, disse a polícia, foram enviados ao bairro do ministro Moraes várias semanas antes da posse de Lula. Eles estavam preparados para sequestrar o juiz, mas abandonaram a conspiração depois que Bolsonaro não declarou o estado de emergência, disse a polícia.
A polícia disse que Bolsonaro estava ciente do plano. A ligação mais próxima que a polícia revelou foi que o plano tinha sido impresso nos gabinetes presidenciais e posteriormente levado para a residência presidencial.
Bolsonaro negou saber alguma coisa sobre tal conspiração. “Quem quer que tenha feito este possível plano deve responder”, disse ele. “Da minha parte, não houve tentativa de execução de três autoridades.”
Ele então minimizou as acusações. “Mesmo assim, acho que foi apenas mais uma fantasia – bravata. Nada. Este plano é inviável. Impossível”, disse ele. Ele admitiu que conhecia o líder acusado da conspiração. “Todos são responsáveis por suas ações”, disse ele. “Embora, pelo que eu saiba, ele não tenha tomado nenhuma atitude.”
O procurador-geral do Brasil está avaliando se deve indiciar o ex-presidente, o que provavelmente levaria a um julgamento de grande repercussão este ano e a uma potencial pena de prisão.
Embora mantendo sua inocência, Bolsonaro admitiu que se preocupava com sua liberdade porque o juiz Moraes poderia ajudar a condená-lo. “Não estou preocupado em ser julgado”, disse ele. “Minha preocupação é quem vai me julgar.” Depois de a polícia ter confiscado o seu passaporte no ano passado, ele dormiu duas noites na embaixada húngara, num aparente pedido de asilo.
Os tribunais do Brasil já tomaram medidas. Seis meses depois de ele deixar o cargo, o tribunal eleitoral do Brasil, liderado pelo ministro Moraes, barrou Bolsonaro do cargo até 2030 por causa de seus ataques aos sistemas de votação do Brasil.
Bolsonaro chamou a decisão de “uma violação da democracia” e disse que estava tentando encontrar uma maneira de concorrer nas eleições presidenciais do próximo ano. Dois juízes da Suprema Corte que ele nomeou liderarão o tribunal eleitoral antes da eleição, disse ele. Esses juízes lhe disseram, disse ele, “que minha inelegibilidade é absurda”.
As pesquisas mostram que Bolsonaro continua sendo, de longe, o candidato conservador mais popular do Brasil, mas muitos da direita estão em busca de novas opções. Alguns especulam sobre seus filhos: um, Flávio, 43, é um senador experiente, enquanto outro, Eduardo, 40, é um deputado que fala inglês e construiu laços estreitos com o movimento MAGA.
Mas Bolsonaro ainda não está pronto para entregar as chaves do seu movimento. Ele disse que só apoiaria a permanência de seus filhos no Congresso por enquanto. “Para você ser presidente aqui e fazer a coisa certa, é preciso ter uma certa experiência”, disse ele, enquanto outro filho, Carlos, 42, olhava com uma expressão vazia.
Caso Bolsonaro conseguisse um retorno político, ele disse que concentraria seu governo no aprofundamento dos laços com os Estados Unidos e no afastamento da China.
Mas primeiro, ele desejou poder basta ir a Washington neste fim de semana. “Peço a Deus a chance de apertar sua mão”, disse Bolsonaro sobre Trump. “Não preciso nem de foto, só para apertar a mão dele.”
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