–Por Álvaro Barcelos–
A imparcialidade do juiz é algo fundamental na busca para garantir um processo justo e fundamentado na garantia do devido processo legal. A Constituição Federal consagra o direito ao juízo competente e afasta por completo a possibilidade de um tribunal de exceção. Com isso, a Carta Magna proclama a certeza de que, ao julgar alguém, se faça com regras claras e pré-definidas. O Código de Ética da Magistratura define, em seu artigo oitavo, o conceito de imparcialidade, afirmando aquilo que todos os que estudam o processo já sabem desde os primeiros períodos de faculdade: imparcial é o juiz que mantém ao longo do processo a distância equivalente das partes. Não é por acaso que a justiça é simbolizada pela figura mitológica da deusa Têmis com os olhos vendados e carregando a balança, e é nesta última que o estatuto da magistratura busca o fundamento para conceituar a imparcialidade.
O recém pacote anticrime aprovado recentemente traz uma novidade que há muito tempo diversos doutrinadores defendem, que é a divisão entre juiz que investiga e juiz que julga, o famoso juiz das garantias. Em diversos países da Europa, o juiz da investigação se torna incompetente para julgar exatamente porque, assim como a Deusa Têmis, o juiz deve julgar de olhos vendados, ou seja, deve ser um estranho em relação aos fatos, aquilo que os italianos chamam de terzietà.
Quando um juiz recebe um auto de prisão em flagrante, terá 3 opções: relaxar a prisão ilegal, conceder liberdade provisória com ou sem fiança ou converter o flagrante em prisão preventiva. Do mesmo modo, quando autoriza uma quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário ou determina uma busca e apreensão, irá acompanhar o processo até o fim. Se já participou de toda a investigação deferindo procedimentos de restrição de liberdade e participou da formação das provas, quando finalmente chega a fase de instrução e julgamento de fatos sobre os quais ativamente participou, teria o réu alguma chance de absolvição? A prática diz que em mais de 90% dos casos não.
Infelizmente a famosa frase de que a primeira impressão é a que fica faz todo o sentido nas situações acima. Numa pesquisa publicada em 1972, na revista Science, o experimento realizado pelo psicólogo David Rosenhan mostrou como a primeira impressão fica. Na pesquisa, ele e seus oito colaboradores simularam sintomas como ouvir vozes para serem admitidos em 12 hospitais psiquiátricos. Para resumir a história, todos foram admitido, permanecendo uma média de 19 dias, sendo que o que permaneceu menos tempo ficou 7 dias e o de estadia mais longa, 52. No final, em 11 hospitais foram dados diagnósticos de esquizofrenia e no outro psicose maníaco-depressiva. Detalhe, o combinado era que assim que fossem admitidos parariam de simular as alucinações visuais. Seus colaboradores eram, além dele, 3 psicólogos, um pediatra, um psiquiatra, um pintor e uma dona de casa. Dos 118 pacientes que conviveram com os pseudopacientes, 35 desconfiaram que se tratava de pessoas normais.
O juiz das garantias chega afirmando e buscando aquilo que se quer há muito tempo um processo penal de matriz acusatória fundada nos princípios que regem a Constituição Federal, buscando remover de uma vez por todas o ranço inquisitório no qual o juiz inquisidor se comporta como acusador e que ainda é tão presente no processo penal brasileiro e na cabeça de muitos juízes. Não custa lembrar que, assim como a CLT, o Código de Processo Penal Brasileiro de 1941 tem grande inspiração fascista no Código Italiano de Vicenzo Manzini. Sendo assim, está na hora de uma verdadeira reforma das leis processuais penais para adaptá-las às regras atinentes à Constituição de 88.
Álvaro Montebelo Barcelos é Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes e formado em Mediação Empresarial de Conflitos pela 8ª Câmara de Mediação Conciliação e Arbitragem.
Be the first to comment