A urbanização como negócio e a expansão periférica: desafios do crescimento urbano de Cabo Frio

Luiz Felipe de Oliveira

Urbanização cabo frio Luis Felipe

Por * Luiz Felipe de Oliveira Gonçalves


Cabo Frio hoje completa 405 anos de fundação. Uma cidade de riquíssima história que guarda em suas paisagens marcas significativas do processo de ocupação do território brasileiro. Num simples caminhar pela cidade, é possível encontrar registros de diferentes períodos históricos, em especial, no que corresponde a sua urbanização, como também os contrastes sociais evidenciados na observação da paisagem urbana. Uma cidade cercada de encantos e contradições. Na posição de cidade média e com porte demográfico significativo, apresenta cada vez mais em seu tecido urbano características marcantes de uma urbanização precária, desigual e segregadora. Por isso, tornou-se tão comum vivenciar aqui problemas urbanos, que outrora, só se viam nas grandes cidades e regiões metropolitanas. Como pano de fundo, parafraseando o grande geógrafo brasileiro Milton Santos, que muito contribuiu com estudos sobre o crescimento das cidades brasileiras, a urbanização em nosso país historicamente se desdobrou de forma desigual e contraditória no tempo e no espaço, seguindo a lógica de um sistema político-econômico concentrador de renda e produtor de segregação socioespacial. Um processo demograficamente rápido, com intensa transformação espacial e socioeconomicamente desigual.
Dessa forma, é preciso ressaltar o caráter dual do processo de urbanização no Brasil. De um lado, a cidade “formal” como a porção do território que se concentram a aplicação das leis, sendo palco dos direitos e deveres, da infraestrutura urbana e onde se encontram a maioria dos investimentos públicos e privados, a cidade “legal”; do outro, a parcela “informal” de território onde vive à população de menor poder aquisitivo, marcada pela precariedade habitacional e urbana, suas principais características, a cidade “ilegal”. Sendo esta última resultante e reveladora do padrão de urbanização no Brasil: extremamente desigual e socialmente injusto. Isso ajuda a explicar os inúmeros assentamentos precários que são parcelas do espaço urbano condicionadas ao processo de segregação socioespacial comum das cidades brasileiras, bem como áreas que representam a materialização do desenvolvimento geográfico desigual que envolve a reprodução do espaço urbano sob a égide do capital. Em Cabo Frio, é perceptível a reprodução dessas “duas” cidades, considerando como exemplo as pontes que atravessam o canal do Itajurú, simbolizando a clara divisão social entre centro e periferia.
O conceito de segregação é um dos mais discutidos na literatura das ciências sociais, pode-se dizer também que é uma característica marcante e comum em diversas cidades do mundo. A palavra é originária do latim segrego e traz uma ideia de cercamento. A investigação do processo de segregação residencial não é um dado social novo e que teoricamente o seu conceito foi originado pela Escola de Chicago, que teve como principal estudioso o sociólogo Robert Park que desenvolvia pesquisas utilizando a cidade de Chicago como laboratório. Nesse contexto, pode-se constatar que o surgimento de espaços de dominação dos diferentes grupos sociais é alimentado pelo alto índice de desigualdade econômica existente no espaço urbano, por isso cada vez mais notamos áreas que predominam processos voltados para uma forte homogeneização social. No que corresponde ao processo de segregação e a maneira como se manifesta a produção da divisão social do espaço urbano, devemos interpretar criticamente quem produz a segregação espacial. A segregação socioespacial é uma problemática que resulta como produto da cidade capitalista.
Na década de 1960 que o município de Cabo Frio passa a apresentar impulso populacional, a cidade vivencia uma virada em sua base econômica que vê o protagonismo do sal e da pesca dar lugar ao turismo de veraneio/2ª residência. Nesse período, os vetores principais de seu crescimento – que contribuíram para o referido aumento populacional e a diversificação das atividades econômicas – foram a construção da ponte Rio – Niterói, concluída em 1974 e a pavimentação da BR-101, em meados da década de 1970, conectada a RJ-106 e RJ-124, melhorando o acesso à região e a sua articulação com a região metropolitana. Em conjunto com esses aspectos, destaca-se ainda a ampliação do sistema financeiro de habitação e a expansão da incorporação imobiliária como forma empresarial de produção de moradias como importantes vetores de crescimento populacional e expansão urbana do município de Cabo Frio.
Mas é a partir da metade da década 1990, na esteira do crescimento econômico do turismo e desenvolvimento da indústria do petróleo na Bacia de Campos que Cabo Frio passa a ser um atrativo para demandas de pessoas da metrópole e de outras regiões do estado, com destaque para a região Norte Fluminense. Pra se ter uma ideia, a população do município duplicou em 20 anos, de acordo com o IBGE no ano 2000 o município contava com 126.828 habitantes. As estimativas de 2020 apontam aproximadamente 230 mil habitantes. Em contrapartida, os governos dessas últimas duas décadas privilegiaram uma gestão urbana associada a “urbanização turística”, de embelezamento e construções de elementos modernos nas suas formas urbanas focada nos espaços do turismo. O referido modelo de desenvolvimento da cidade nos ajuda contextualizar e, ao mesmo tempo, problematizar o crescimento do processo de favelização no município, bem como sua rápida expansão periférica, tendo em vista que essa forma de urbanização “supervalorizou” áreas da cidade em detrimento de outras, dificultando o acesso ao solo urbano legal por parte das classes de menor poder econômico. Restando a essa população a busca por áreas mais baratas e, principalmente, a ocupação de loteamentos ilegais, muito presente no uso do solo urbano de Cabo Frio.
Como ilustração dessa questão, há o fato do município ter contado com grande prosperidade econômica nos últimos anos, mas apresentar problemas sociais alarmantes. A saber, Cabo Frio alcançou receitas próximas a R$ 400 milhões por ano provenientes dos royalties do petróleo. O fato é que, apesar da prosperidade financeira proveniente de vultosos recursos que fizeram parte do orçamento da cidade nos últimos anos, em especial as receitas advindas dos royalties do petróleo, o que se observa é o aumento da pobreza e favelização. Somado a isso existe um considerável atraso e enorme incongruência na legislação urbana municipal, ao passo que o Plano Diretor Participativo (2006), em grande parte, é norteado por uma lei de zoneamento de 1979 que determina suas áreas urbanas, em uma conjuntura territorial contraditória, com mais de 30 anos de defasagem, apesar da referida Lei de Zoneamento ter sido constantemente alterada ao longo dos anos. Diante desse cenário preocupante, em razão da crescente expansão periférica da mancha urbana, se coloca a necessidade do município não somente revisar seu Plano diretor No caso de Cabo Frio, observa-se aplicando políticas de planejamento urbano mas definir ações concretas que contemplem um desenvolvimento urbano autêntico que atenda as demandas atuais da população cabo-friense, em especial, daqueles que vivem nos bairros periféricos.
Portanto, é notório que alguns bairros e comunidades mais pobres da cidade cresceram rapidamente e se expandiram de forma desordenada. O município de Cabo Frio possui atualmente mais de 60 bairros distribuídos em seus dois distritos. Com isso, observa-se que o elevado aumento populacional apresentado pelo município nos últimos anos tem sido acompanhado de uma acelerada expansão periférica da mancha urbana, caracterizado por um significativo crescimento e espraiamento dos bairros periféricos pelo território. Em geral, outros bairros apresentaram crescimento, todavia os mais distantes do centro da cidade, dos espaços do turismo, de menor presença do governo e, consequentemente, daqueles afastados da forte atuação dos mecanismos da especulação imobiliária revelaram crescimento superior. Ao analisar a intensa expansão urbana e seus desdobramentos no espaço geográfico do município que apontam para qual sentido a cidade cresceu e continua crescendo, pode-se apreender elementos que permitem ler criticamente a paisagem e ajudam a explicar processos e condicionantes da segregação socioespacial urbana presente na ocupação do solo do município. Essas rápidas mudanças logo foram reveladas pelo aumento da desigualdade socioeconômica, expressando consideráveis índices de desemprego, falta e/ou de condições de acesso a moradia que, infelizmente, passou a fazer parte do cotidiano de muitas famílias cabofrienses, principalmente das que têm chegado à cidade e, dificilmente, conseguem permanecer.

Posto isto, é cada vez mais urgente o debate sobre o espaço urbano e o cotidiano da cidade para o entendimento dos seus diferentes modos de vida, uso e dos grupos que dele se apropriam (a urbanização como negócio). Nesse contexto, é necessário problematizar a relação da cidade com seus cidadãos e como ela se expressa na gestão e, consequentemente, na vida social. Nessa perspectiva, a compreensão da cidade passa pela prática da cidadania que é forjada e se forma no dia a dia da vida urbana, ampliando a participação e aumentando a luta pelo direito à cidade, em especial, para os grupos socialmente excluídos.
Não por acaso, os bairros periféricos são os mais penalizados por esse modelo de cidade vigente há anos. Reforçando as disparidades e a concepção de cidade partida.

Diante do exposto, o município de Cabo Frio necessita de uma gestão urbana técnica, participativa, integrada e ambientalmente responsável. Nesse caso, é indispensável que tenhamos governantes sérios e comprometidos, bem como maior participação da sociedade civil, pois é primordial repensar a cidade e o que se quer para o futuro. Uma cidade que precisa ser pensada como lugar da vida, que haja integração e acesso nos diferentes espaços, e não uma cidade dominada pela segregação e especulação imobiliária aliada a governos convenientes com esse modelo injusto e desigual que reproduz o espaço urbano como negócio há décadas. Parece-nos que há muitos desafios e um longo caminho a percorrer. Precisamos de todos!
No dia do seu aniversário, dedico este artigo à cidade de Cabo Frio, pela qual tenho tamanha consideração por ter me acolhido quando criança. Assim, preocupo-me ainda mais com seu futuro. Desejo que seu crescimento urbano siga na direção de um desenvolvimento justo, democrático e sustentável. E a todos que lutam incansavelmente país afora na construção de cidades boas para se viver. Que o direito à cidade seja uma regra, e não uma exceção.

*Professor das redes públicas de Cabo Frio e Armação dos Búzios. Especialista em Educação de Jovens e Adultos. Bacharel e mestre em Geografia.

 

 

 

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