Por Luiz Felipe Oliveira*
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O processo de consulta eleitoral foi finalizado há poucos dias e já podemos dizer que foi muito diferente do que estávamos acostumados. Jamais cogitamos sair para votar preocupados com segurança sanitária diante de uma pandemia dessa magnitude, mesmo tendo a responsabilidade cidadã de decidir os próximos 4 anos das nossas cidades. Uma realidade totalmente atípica em variados aspectos e que, consequentemente, afetou de alguma forma a presença dos eleitores na confirmação das suas escolhas nas urnas, vide a significativa abstenção em todo país.
Como geógrafo, por meio de um esforço pessoal e interesse de trazer à luz essa importante reflexão sobre a conjuntura política do estado do Rio de Janeiro, trago aqui essa contribuição para analisarmos o cenário de governança que teremos para 2021 frente a nova configuração político-eleitoral dos 92 municípios fluminenses. Em 10 destes, os resultados das eleições estão sub judice, aguardando decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Outro dado relevante foi aumento do número de mulheres eleitas para governarem prefeituras, subindo de 8 para 10 a partir de 2021.
A proposta deste artigo é despertar o interesse de estudantes, pesquisadores, veículos da mídia e população em geral por meio da observação do mapa representado abaixo intitulado: “A geografia do voto no estado do Rio de Janeiro – partidos vencedores por municípios (eleições 2020)”, destacando o forte potencial da análise espacial e relevância da utilização da Geografia como importante componente nos estudos sociopolíticos, lançando mão da leitura cartográfica por meio dos mapas temáticos, como a representação a seguir.
Em seu livro “Geografia e Política: territórios, escalas de ação e instituições”, publicado pela editora Bertrand Brasil no ano de 2005, a geógrafa e professora Drª. Iná Elias de Castro (UFRJ), reforça o caráter intrinsicamente político do espaço geográfico. De acordo com a autora é importante compreender como os interesses contidos na disputa política no território resultam em estratégias para a obtenção de respostas favoráveis do sistema representativo, considerando como a organização do espaço pode afetar a decisão do eleitor, principalmente, na esfera municipal (prioridade de resolução de problemas locais, por exemplo). O voto pode então ser explicado também pelo espaço e o estudo da geografia eleitoral busca justamente essa compreensão, considerando a análise geográfica do comportamento do eleitor.
Nesse sentido, é interessante estabelecer uma comparação das informações representadas no mapa com os resultados eleitorais de 2016 (tabela abaixo) a fim de verificar o aparecimento, o crescimento e a diminuição da participação de alguns partidos na governança dos municípios do nosso estado, identificando as siglas que ganharam e/ou perderam força no contexto político estadual. E também o quanto a polarização da política nacional refletiu nos resultados desse ano. Não à toa, nessa eleição, o que se viu foi o aumento significativo do número de prefeituras que serão governadas por partidos que ideologicamente se autodenominam de centro mas que na prática política, uns estão mais à “direita”, uns mais à “esquerda”.
A exemplo, conforme a tabela acima, o PSC que só comandava uma prefeitura em 2016, agora conta com 11. Assim como o DEM que saltou de duas para 10 prefeituras, incluindo o maior colégio eleitoral fluminense, a capital do estado. E Solidariedade, que não governava sequer uma cidade, mas venceu em 9 esse ano. Não muito atrás aparece o PL antigo PR, que saiu de 7 para 10, Nessa lógica de crescimento, vimos o PSD pulando de duas para 6 prefeituras e o Republicanos de 3 para 5; o Avante, que antes governava uma prefeitura, agora terá duas. E o PROS, que não governava nenhuma, e também estará à frente de 2 municípios. Ao passo que dos partidos com perfil de centro, somente PTB, Podemos, MDB e PP apresentaram diminuição de prefeituras no estado. O primeiro e segundo com leve mudança, saindo de 5 para 3 e de 3 para duas, respectivamente; o MDB apontando considerável encolhimento de 20 para 7 e o último caindo de 16 para 11 prefeituras. Mesmo assim, o PP junto ao PSC será o partido que mais governará municípios no estado.
Do outro lado, partidos como o PSB, Cidadania (antigo PPS), PDT e PV, historicamente mais alinhados à “esquerda”, diminuem a sua participação no comando de prefeituras no estado. O primeiro sai de 7 para apenas uma prefeitura; o segundo de 7 para 4; o terceiro de 6 para 4 e o quarto de 3 para uma prefeitura. A Rede Sustentabilidade permanece com uma prefeitura, assim como o PT.
Vale ressaltar que PSDB e PT, tradicionais rivais no cenário político nacional na década de 90 e 2000, irão governar, cada um, apenas uma prefeitura no estado do Rio de Janeiro. O primeiro com a pequena e pacata cidade do centro-sul fluminense, Engenheiro Paulo de Frontein (com pouco mais de 10 mil eleitores). O segundo, conseguindo a reeleição na cidade de Maricá com grande aprovação, localizada na região metropolitana do estado. Também é importante salientar que o PSL, partido pelo qual foi eleito o presidente Jair Bolsonaro e que conta com a segunda maior bancada de deputados na Câmara Federal, não elegeu sequer um prefeito no estado. Isto posto, similarmente, viu-se o número baixo de prefeituras conquistadas por candidatos que contaram com o presidente da República como “cabo eleitoral” ou que se disseram apoiados por ele. Será que esse revés já representa uma perda de força do discurso bolsonarista ou o resultado das eleições locais ainda não servem para avaliar a popularidade e aprovação do presidente? Quais serão os caminhos e o quanto essa cartografia atual pode representar para as eleições de 2022? São problematizações que necessitam de reflexão levando em conta perspectivas para o próximo pleito.
Em tempo, o que chama muita atenção, tendo em vista os resultados de PP e PSC, é que o Progressistas foi campeão em número de investigados e condenados por corrupção na operação Lava-Jato, porém saiu como grande vitorioso país afora nessas eleições. Isso revela que nem todos os partidos políticos punidos pela Lava-Jato tiveram perdas eleitorais, pelo contrário, alguns apresentaram ganhos nas urnas. Assim como o PSC, com grande ganho eleitoral no estado, mas que
elegeu em 2018 para Governador Wilson Witzel, atualmente afastado por investigação de corrupção.
Isso demonstra que a indignação popular com a corrupção não necessariamente trará impactos negativos semelhantes aos partidos envolvidos. Vide a vertiginosa queda de algumas siglas e manutenção/aumento de outras.
Em síntese, pode-se dizer que esses resultados expõem novas prioridades e preferências da maioria da população do estado? Será que os debates nacionais e a polarização política entre “direita” e “esquerda” encontraram espaço e fizeram diferença na disputa eleitoral dos municípios fluminenses? É possível considerar que tivemos mudanças expressivas e reveladoras na geografia eleitoral do estado do Rio Janeiro? Os resultados demonstram uma tendência nacional? São indagações que se colocam daqui para frente e merecem atenção. Apesar do desencanto de grande parte da população com a política e de uma narrativa que procura esvaziá-la como instrumento de transformação da realidade, ela precisa ser cada vez mais debatida e levada a sério na tomada de decisão, tanto no voto, quanto no exercício da cidadania no cotidiano ou no mandato daqueles que foram eleitos para representar os anseios do povo.
Essas e outras questões poderão ser pensadas e problematizadas diante dos desafios que se colocam para a percepção do “jogo” político, a sua dimensão socioespacial nas diferentes escalas de ação e a vontade da população de cada território manifestada nas urnas, bem como o aproveitamento do presente mapa de forma multidisciplinar, tendo em vista que esse recurso possibilita novas possibilidades de análise em diferentes áreas do conhecimento. Portanto, como vimos, a compreensão da geografia político-eleitoral é muito importante nesse processo de ampliação do conhecimento e tomada de consciência.
*Professor das redes públicas de Cabo Frio e Armação dos Búzios. Especialista em Educação de Jovens e Adultos. Bacharel e mestre em Geografia.
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