Não dá pra entender

A eleição presidencial de 2022 chegou ao fim, por mais que uma minoria da população não consiga (e/ou não queira) entender.

Após seguidas derrotas, o PT chegou ao poder em 2003, mas não completou os 16 anos de exercício em função do impeachment sofrido por Dilma Rousseff, em agosto de 2016, por crime de responsabilidade, tão controverso até hoje.

À época e anos depois vieram à tona fatores que levaram o país a conhecer o maior caso de corrupção de que se tem notícia, além da popularização do termo “pedaladas fiscais”, acusações, discursos direcionados, ações parciais, status de herói para Sérgio Moro e a prisão de Lula.

Eleito presidente, Jair Bolsonaro, no discurso da vitória, afirmou que o novo governo seria um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. No entanto, ao longo de quatro anos (2019-2022) o que se viu foi muito diferente disso, em vários aspectos.

Não dá pra entender

Dá para entender quem quis votar nele por ser opositor do PT e da esquerda, mas não dá para entender como votar num cidadão, deputado federal desde 1991, sem um projeto digno sequer.

Dá para entender que um empresário vote em quem prometeu um aceno liberal na economia, mas não dá para entender como empregados votem num cidadão que tem uma extensa lista de declarações polêmicas sobre o pobre.

Dá para entender que um homem branco vote nesse sujeito, mas não dá para entender como mulheres, negros e homossexuais votem num cara que tem uma extensa lista de declarações polêmicas sobre os seres acima citados.

Dá para entender que um militar vote num capitão reformado do Exército que defende a ditadura, mas não dá para entender como que alguém que estava vivo naquele período (1964-1985) ache louvável Bolsonaro chamar de herói Brilhante Ustra, torturador que chefiou o DOI-Codi, divisão de repressão e inteligência da ditadura, entre 1970 e 1974.

Dá para entender que um evangélico (e qualquer outra pessoa religiosa) vote em alguém que preze pelo neoconservadorismo, família, moral e religião, mas não dá para entender como é possível votar em alguém que tem mais de uma religião, mais de um casamento e que não acredita que o Estado é laico, mas sim “cristão, heterossexual, monogâmico e cisgênero”.

Dá para entender que se queira votar em quem diz que acabará com a corrupção, mas não dá para entender que se queira votar em quem teve acusações e investigações no STF com relação à rachadinha e inquéritos, assim como seus filhos.

Dá para entender que os profissionais da saúde votem em alguém que defenda o SUS, mas não dá para entender que votem num presidente que debochou dos contaminados e mortos pelo coronavírus e apresentou descaso com a vacinação, o que condenou milhares de brasileiros.

Dá para entender que os profissionais da educação votem em alguém que prometa mudanças profundas no setor, mas não dá para entender que votem num presidente que elegeu Paulo Freire, renomado em todo o mundo, como seu inimigo, além de extinguir, através de um decreto editado no DOU, a Medalha Paulo Freire, prêmio que era concedido a educadores ou instituições que se destacaram na luta pela erradicação do analfabetismo no Brasil.

Dá para entender que artistas votem em alguém que incentive a cultura, mas não dá para entender que votem em quem vetou as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, mesmo aprovadas na Câmara e no Senado, e é inimigo declarado da cultura.

Dá para entender que se queira votar em um candidato que se diz patriota, mas não dá para entender que esse voto vá para quem prestou continência à bandeira dos Estados Unidos.

Dá para entender que se queira votar em quem promete um país mais seguro, mas não dá para entender que esse voto vá para quem libera a compra e o uso de armas, porém menos para fiscais ambientais (sabemos o porquê), além de ter ligação com paramilitares e milicianos.

Dá para entender que se queira votar em quem promete emprego, mas não dá para entender que esse voto vá para quem adora o nepotismo e votou contra o projeto que proibia a prática.

Dá para entender que as pessoas queiram votar mais uma vez no presidente que fala o que muitos pensam, num país recheado de todos os tipos de preconceito, e com isso usem meios de protestar contra a eleição do ex-presidente, mas não dá para entender que esse povo fale de respeito, patriotismo, Deus e paz, e aja de forma tão violenta, agressiva, estúpida e inaceitável, como vem acontecendo há tempos e se materializou em vergonha e perplexidade no último dia 8 de janeiro. Ou não é para entender mesmo?

Bola ou Búlica: Professor Vinicius Fernandes estreia sua coluna semanal no JPA
Vinicius Fernandes Batista é professor, tradutor e revisor. Um carioca que não gosta do Rio de Janeiro, mas adora a trinca de V: verdade, vinho e viagem

Leia também:

Mundo condena atos terroristas de bolsonaristas em Brasília

Vídeo – Terrorista bolsonarista defeca sobre móvel durante invasão do Palácio do Planalto

Moraes determina afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*