O direito ao aborto à luz do Código Penal.

Por Álvaro Barcelos

O tema do aborto sempre causa enorme clamor popular, dividindo opiniões. De um lado aqueles que invocam a religião como diretriz das normas legais e de outro os defensores da autonomia da mulher com relação ao próprio corpo.
Num tema tão delicado a lei deve ser entendida à luz do caso concreto. O caso da menor capixaba não deixa a menor dúvida. O código penal é bem claro no seu artigo 128 ao delegar ao médico a possibilidade de realizar a conduta para salvar a gestante, situação classificada como aborto necessário, ou em caso de estupro mediante consentimento da gestante ou do representante legal.
Na primeira situação tem-se o que se chama de estado de necessidade previsto no mesmo código em seu artigo 24, que se caracteriza pela situação na qual alguém pratica fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Como se percebe pela descrição acima, quando o médico se vê numa situação na qual prosseguir com uma gravidez implica em risco à vida da gestante, a lei lhe ampara para que sacrifique a vida intrauterina para salvar uma outra vida.
No caso do estupro a lei é bem direta, uma vez que o critério é facilmente comprovado através do exame de corpo de delito. Portanto, comprovado o estupro e a consequente gestação, autorizada está a interrupção da gravidez. Afinal, não é exigível que alguém leve ao fim uma gestação resultante de tamanha violência.
Quanto aos cânones de plantão que defendem arduamente a vida, cumpre lembrar que o símbolo do Jesus crucificado representa exatamente que ninguém tem que carregar cruz resultante de pecado alheio. Afinal, o próprio Deus enviou seu filho à Terra para que ele, somente ele, derramasse o seu sangue pelos pecados de todos nós.
Com isso, não quero dizer que defendo aborto a qualquer preço, muito pelo contrário, neste ponto considero que, como prevê o artigo 2º do Código Civil, que diz que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Portanto, deve se verificar a situação no caso concreto porque aborto fora dos casos previstos no Código Penal é crime. Contudo, isso não impede que se discutam mecanismos de prevenção à gravidez ou de sua interrupção. A questão é de saúde pública e merece ser discutida nas mais diversas esferas, pois os abortos clandestinos continuam sendo feitos às escondidas pelos que têm condições de pagar por esses procedimentos; enquanto isso, as menos abastadas dão à luz nos hospitais públicos ou morrem nas mãos de verdadeiros carniceiros.

 

 

 

 

*Álvaro Montebelo Barcelos é Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes e formado em Mediação Empresarial de Conflitos pela 8ª Câmara de Mediação Conciliação e Arbitragem.

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