O STF e a decisão sobre os direitos da “amante”

Recentemente a grande mídia repercutiu uma decisão do STF em não reconhecer o direito da amante em dividir pensão. Chama atenção o fato da mais alta corte ser a todo tempo chamada para decidir questões polêmicas. Nesse sentido, é preciso considerar o papel do Supremo.
Diz a Constituição em seu artigo 102 que cabe ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, ou seja, quando há algum conflito que viola a constituição cabe à mais alta corte do país a palavra final. O que a maioria da população desconhece é que não é tão fácil assim fazer com que uma discussão chegue a ser analisada pelo STF.
Para quem não sabe, o tribunal tem um programa de computador chamado VICTOR, que é uma ferramenta de inteligência artificial que analisa os recursos que lá chegam para saber se possuem os requisitos necessários para análise. O principal deles é a chamada repercussão geral. Esta necessita que o assunto trazido à discussão seja relevante sob o aspecto social, político, econômico ou jurídico, e também deve ultrapassar o interesse subjetivo da causa, ou seja, o âmbito particular, e ser coletivo.
A abordagem do tema pela grande mídia como quase sempre acabou sendo mais sensacionalista do que técnica. No caso concreto a situação era a seguinte: um homem manteve simultaneamente duas uniões estáveis e simultâneas com uma mulher e outro homem.
Portanto, a palavra amante neste contexto traz um tom pejorativo, já que não se tratava de alguém casado e que manteve uma relação paralela simultânea. O que ocorreu foi que em virtude do óbito um dos conviventes ajuizou ação de reconhecimento de união estável para recebimento de pensão do INSS. Na sequência, o outro convivente fez o mesmo.
Em decorrência disso, a justiça reconheceu a primeira união estável e recusou a segunda alegando impossibilidade de reconhecimento de nova união estável em razão do dever de fidelidade. Ora, o reconhecimento de união estável deveria seguir o mesmo rito do casamento conforme o artigo 1521 inciso VI do Código Civil que diz que não podem casar as pessoas casadas.
Se uma das conviventes requer reconhecimento da união estável, a condição para tal deveria ser a inexistência de outra união simultânea. Neste caso, não pode ocorrer o chamado direito de preferência, algo como quem chega primeiro leva. Se a lei não admite a existência de duas uniões estáveis simultâneas nenhuma delas pode ser reconhecida. Se o dever de fidelidade deve valer para ambas as relações e não para uma.
Enfim, trata-se de uma decisão de cunho moralista que judicializa questões que não devem ser abarcadas pelo direito. O casamento é um contrato, e a lei assim o trata, já que dele decorrem relações de natureza patrimonial; assim, deve ser assegurado o direito do terceiro de boa-fé. Do contrário, se os conviventes têm conhecimento um do outro, há uma relação triangular e o direito de ambos deve ser garantido.

 

*Álvaro Montebelo Barcelos é Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes e formado em Mediação Empresarial de Conflitos pela 8ª Câmara de Mediação Conciliação e Arbitragem.

 

 

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